A região sul do de São Paulo, durante muitos anos, foi esquecida tanto pelo nosso poder público quanto por historiadores e interessados no resgate da nossa trajetória. Com esse pensamento, trazemos hoje, para os nossos leitores, um resgate da Capela do Socorro, distrito que abriga bairros famosos, como é o caso de Veleiros.

A Capela do Socorro é composta por uma vasta área abaixo dos canais dos rios Jurubatuba e Guarapiranga, sendo formada pelos distritos de: Socorro (onde se encontra o bairro de Veleiros), Cidade Dutra, Grajaú, com uma superfície de 134 Km², que corresponde a 8,8% do território do município. Estima-se que 90% de seu território esteja inserido na chamada área de proteção aos mananciais e, a ocupação da Capela, está ligada diretamente à expansão e estruturação urbana da subprefeitura de Santo Amaro, à qual esteve ligada até 1985.

Estima-se que o território onde está o bairro era habitado pelos índios tupis, tribo que ocupava vários pontos da região sul do país, além de parte do litoral. Já no século XX, os guaranis, sub-grupo tupi, no curso de seu processo migratório, chegaram a Parelheiros e lá se fixaram. Remanescentes desse núcleo são as duas aldeias existentes na área da Subprefeitura de Parelheiros – a de Curucutu e a do Morro da Saudade – e que reúnem cerca de 600 indígenas.

Podem-se encontrar, também, referências à região em documentos posteriores à independência do país. Naqueles anos foram realizadas tentativas de atrair imigrantes europeus para o país e, em 1827/28, desembarcaram em Santos os primeiros grupos de colonos alemães, dentre os quais destacaram-se pouco mais de 120 que aceitaram terras devolutas em Santo Amaro, localizadas em Colônia, na Subprefeitura de Parelheiros e que se espalhou por toda a região sul.

Ao contrário das colônias alemãs no sul do Brasil, essa iniciativa não conseguiu preservar muito de sua história e não restou quase nada dessa experiência colonizadora. O boom de interesse pela Capela do Socorro desponta nas primeiras décadas do século XX, com as construções das barragens da Light no rio Guarapiranga, dando origem à represa que ocupa área de 33,9 Km², com a finalidade principal de regularizar a vazão do rio Tietê e garantir a geração de energia na Usina Edgard de Souza em Santana do Parnaíba; e, a do rio Grande, construída após a grande seca de 1924, que deu origem à represa Billings, ocupando área de 130 Km² entre São Paulo e São Bernardo do Campo.

Largo do Socorro em 1936
Largo do Socorro em 1936

Essas intervenções acabaram originando a possibilidade de diversão única para a região, dando início a uma grande especulação imobiliária em torno de loteamentos para construção de equipamentos de diversão.

Foram criados clubes de campo, clubes náuticos e balneários, que passaram a caracterizar as extensas áreas ao redor das represas. A construção da auto-estrada Washington Luís em 1928, com 16 Km, ligou o Ibirapuera a Interlagos, via Santo Amaro e Socorro e foi, posteriormente, completada com a Avenida Interlagos, impulsionando ainda mais o desenvolvimento das atividades recreativas da região.

Em paralelo, começaram a surgir alguns loteamentos residenciais de médio padrão, especialmente na porção norte da Capela do Socorro. Na década de 30, uma importante construtora e imobiliária, a “AESA – Auto Estradas S.A.”, criou o loteamento denominado “Interlagos – Balneário Satélite de São Paulo”, realizando no local grandes investimentos para criar infraestrutura urbana e melhorias rodoviárias.

A ideia era assentar, de frente para a represa, um bairro residencial de alto padrão. No entanto, o empreendimento não evoluiu e, anos depois, apenas algumas dezenas de famílias haviam se instalado, em meio a quarteirões completamente vazios. Muitas das casas construídas para fins residenciais acabaram sendo ocupadas por restaurantes.

Durante as décadas de 50 e 60 o estado de São Paulo viveu um processo intenso de expansão industrial, com alterações no padrão de localização da indústria mais moderna e de maior porte. Na zona sul de São Paulo esse processo ajudou na ampliação do parque industrial de Santo Amaro, que se consolidou como um dos mais importantes geradores de emprego industrial da região metropolitana.

A disponibilidade de áreas, as facilidades de transporte, particularmente com a construção do sistema de marginais do rio Pinheiros e a abundância de água e energia, contribuiu para atrair grande número de estabelecimentos industriais dos setores mais modernos da indústria de transformação. Estes se instalaram ao longo do canal de Jurubatuba, chegando até as proximidades do Largo do Socorro.

O desenvolvimento industrial teve grande influência na Capela do Socorro. A região passou a acomodar parte do crescimento urbano da cidade, uma vez que sua área rural era imensa e relativamente próxima do centro industrial de Jurubatuba. Para a Capela afluíram significativos segmentos da população trabalhadora que buscavam área ainda não consolidada e com disponibilidade de terra urbana a baixo custo.

Represa de Guarapiranga em 1936
Represa de Guarapiranga em 1936

Os novos bairros que surgiram acompanharam o padrão periférico de expansão urbana que caracterizou o crescimento de São Paulo nos anos 70. Sem dispor de infraestrutura urbana, de equipamentos sociais e distantes do transporte coletivo, grande número de trabalhadores autoconstruíram suas casas em lotes, na maioria das vezes ilegais, e comprados através de longos financiamentos.

A partir de 1975 a ocupação da região de Capela do Socorro passou a ser legalmente subordinada à Lei de Proteção dos Mananciais e à legislação de zoneamento industrial. Esta última obteve certo êxito no que se refere às restrições à implantação de novas indústrias na região e ao controle de expansão das existentes. No entanto, a legislação relativa aos mananciais foi insuficiente para conter o avanço da urbanização e a degradação ambiental.

Represa Nova Light, em Santo Amaro, por volta de 1940
Represa Nova Light, em Santo Amaro, por volta de 1940

A lei dos mananciais estabeleceu baixos limites de densidade para a ocupação do solo e dificultou o licenciamento de empreendimentos, mesmo quando adequado às normas legais.

Praticamente excluídos do mercado imobiliário formal, os preços dos terrenos se tornaram extremamente baixos. A depreciação do valor da terra, aliada a outros fatores como uma inadequada política habitacional, a baixa renda dos trabalhadores a proximidade de grande concentração de empregos e as dificuldades de fiscalização tiveram como efeito a expansão desenfreadas dos loteamentos clandestinos e de favelas localizadas em grande parte ao longo dos córregos contribuintes das represas. Estima-se atualmente a existência de cerca de 200 bairros irregulares na região e 220 favelas.

5 Comments

  1. A lei de proteção de mananciais foi alterada em 2013 regularizando e dando título de posse às milhares de famílias que moravam irregularmente no entorno da represa Billings. Estima-se que hoje, um milhão de pessoas morem nessa área que jamais deveria ter sido ocupada dessa maneira.

    Com a regularização, o governo jogou a toalha. Não só legalizou a ilegalidade como premiou quem ocupa o solo irregularmente estuprando a lei. Entre a proteção aos mananciais e a permanência da ocupação predatória que ali ocorre e representa milhares de votos, o poder público optou por esta última.

    As áreas de proteção de mananciais não existem mais.

    1. Concordo plenamente. O governo faz “vista grossa” para angariar votos depois. Haja vista que o nível da Billings está quase dez metros abaixo do planejado, senão alagaria essas áreas invadidas. É triste

  2. AESA. AUTO ESTRADAS EMPRENDMENTOS IMOBILIARIOS LTDA fazem parte dessa história, mesmo não tendo o reconhecimento de sua contribuição para o desenvolvimento a região !!!

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