Minha SP #11 – Por Mauro Beting – Eu lavo São Paulo

Por Mauro Beting

Eu lavo São Paulo

Ouviram do Ipiranga o meu brado retumbante há 48 anos. Sou palestrano. Palestrino e paulistano, nessa ordem. Amo meu clube e minha família quase assim. Não sou plenamente isento para falar de amores incondicionais como esses. Por isso também confesso que amo São Paulo como amaria a cidade-satélite do Inferno do mesmo modo: é berço. É lar. É o que sou.

Pode detonar São Paulo. Ou deixa que eu a derrubo sozinho. Mas vai ter que me ouvir defender o Borba Gato de Santo Amaro como se fosse o Redentor do Corcovado. Vai ter de me ver enaltecendo o Arco da Sabesp no Tietê como se fosse a Ponte Vecchio em Florença. É a minha terra, meeeuu! É a minha casa, pô! Não consigo ter distanciamento suficiente nem para elogiar e nem para criticar.

Também por isso não consigo sair daqui. Já recusei morar em Miami e no Rio de Janeiro que continua lindo só para não ficar longe do ninho. Até para trocar a Nazaré pela Vila Nova Conceição sem prédios dos anos 70 foi difícil. De lá para a vizinhança do Jóquei foi um páreo duro que parecia parto. De volta para a VNC foi legal. Vila Sônia foi o que é SP: de A para Z passando pelo alfabeto grego numa torre de Babel mais torta que Pisa e com o saudável cheiro de pizza e filhotes no final.

Itaim Bibi tem nome de buzina e trânsito de louco. Morar perto do Palácio do Governador é bom que não acaba luz – nem água… Sei…. Chácara Flora foi um período curto e florido cheio de amor. Como é morar com meus dois e mais três do meu amor de volta ao Morumbi que é enorme por conta da especulação imobiliária. Morumbi é quase Caxingui e pega o Jardim Monte Kemel de tantos que camelam na cidade desigual. Morumbi também é a fina flor da sociedade que tem dinheiro e até quer justiça social. Mais social que justa. E que não quer ver a comunidade subir a Giovanni Gronchi. Blinda o carrão no Brasil que desce o ladeirão sem lei do bairro violento, desigual, injusto. Bem Brasil. Bem a São Paulo que deveria parar para pensar. Não para sair dela. E não só para ficar parado no sinal – o semáforo-pedágio nosso de cada minuto de todos os dias de rush que não tem hora para ficar parado.

SP é especulação imobiliária. É a espetacular imobilidade do poder público que deixa tombar patrimônio público que vira poeira. É associação Viva Pacaembu que mata o estádio. É Higienópolis que quer higienizar a sociedade. É estereótipo, eu sei. Mas é protótipo do avesso do travesso da travessa da São João com a Ipiranga com uma megalópole megalomaníaca que não trata bem novos e velhos baianos e bolivianos. E acaba mais chata que discurso Almodóvar de Caetano e eleitor empedernido de Maluf.

Eu não queria politizar e nem polemizar, muito menos polarizar com a talibancada da sheherezadice-reinalda x zéabreulismo-saderiano de nosso mídia sem modos.

Mas é São Paulo que é Corinthians e Palmeiras – e também é Santos. É Flamengo. É o Fla-Flu que é um Dérbi, um Majestoso, uma Tropa de Choque-Rei que é contra o ar-condicionado se ele for de uma sigla sectária eleitoral, e é a favor de quiabo dos diabos se for da sua seita-partido que não aceita oposição. São Paulo tem solução desde os Campos de Piratininga. Mas é muito nós x eles.

É uma cidade que merece ter o impávido Borba Gato como guardião pétreo de Santo Amaro. Colosso de mau gosto que define Sampa entre os bambas e as bombas. Ou como melhor definiu o perfil isento da estátua estulta na Wikipedia:

“Os que desdenham da estátua de Borba Gato apenas revelam seu espírito desinformado, inculto, medíocre, sectário e persecutório, com algo de inquisitorial extemporâneo”.

São Paulo é isso. Amor ou ócio. Ardor ou ódio. É preto é branco é verde é fúcsia é aquarela paulistana do pixo colorido que queima os cinzas da cidade. É tag de todos as letras e tipos que faz terrorismo visual no conceito de “cidade limpa”, “belezura” e o nome que se der para uma cidade que não é bonita por natureza, que beleza, que faz Fusca e faz violão, mas não é Flamengo e nega às Teresas, Martas, Luizas, Marias da Penha e da Lapa muitos direitos básicos.

É cracolândia que governos tentam empurrar ou queimar sem se dar conta que a região da Luz precisa de cabeça iluminada para ser reconstruída, reurbanizada. Em PPPs sem UPPs. Ou com. Não sei. Só sei que passou da hora de revitalizar o que está morrendo. Ou matando mesmo numa pedra de crack da selva que nos devora e devasta.

São Paulo tem muitos Sohos no solo. Mas não sabe explorar a urbe rude. Especula sem olhar pro espelho. Se já deu vida à muita família perdida como bala do Brasil e do mundo, parece que prefere o imundo sem estender a parceria, sem entender que mais inclusão é solução. Em vez de privilegiar o coletivo, sobretudo o transporte, SP quer carro sobre automóvel em cima de veículo. Não tem cabimento.

Só SUV. Só subtransporte. E quando se pensa em bumba, em metrô, trem, bike, quem paga IPVA vira o bico. Ou vira mesmo o bicho. Fala um que apoia ciclovia mas há muito não dirige a magrela para passear com meus pneus abdominais. Fala um proprietário de carrão daqueles que parecem escarrar em quem não tem condição de pagar condução.

Não tem como acertar tudo com tanta gente. Tem picuinha política de governador com prefeito. Tem associação de moradores que briga pelo dela e digladia com o bom senso. Tem quem paga IPTU e acha que tem todos os direitos da cidade do PT e do estado do PSDB. Tem quem não paga e expia pelos pecados da administração nem sempre tão pública.

São Paulo, como Cabul ou Paris, precisa de mais educação. Aula para dar mais saúde à população que vai viver melhor com mais esporte e lazer. Escola que ensina a planejar. Faculdade que faz engenheiro e arquiteto para bolar saídas pela direita e pela esquerda para o Centro mais que Velho, e caminhos por baixo da terra e pelos expressos que sobem minhocões e trilhos elevados.

SP tem que ter mais educação. O paulistano, ainda mais. E, se eu tivesse mais, mesmo tendo estudado em escolas queridas, eu saberia propor mais saídas para a minha cidade – sem cortar caminho pelo Rodoanel…  Mas a mesma paciência que não temos no trânsito a gente precisa ter na rua. Ou melhor: quando fomos para a Sé para exigir Diretas-Já em nossa festa de aniversário em 1984, São Paulo pegou em almas dilaceradas e começou a reconstruir o país. O paulistano precisa ser mais cidadão. Mais exigente. Mais atuante. Mais bandeirante para desbravar a floresta impenetrável de problemas. E menos bandeirante para não tolerar quem é diferente.

São Paulo é tudo isso e nada disso. Ou nem é comigo. É o que sou. Acho que posso num texto resolver tudo e ganhar um fim de semana em Campos do Jordão. Acho que nada se resolve e vou afogar as mágoas no Litoral Norte. Isso se você tem a bufunfa balofa que corre pelos rios parados da metrópole. Mas se você faz churras na laje antes da chuva (lembram da Terra da Garoa?), São Paulo pode ser uma carne de segunda com gosto de concreto desalmado.

A minha cidade é o mercadão da banca do meu bisavô calabrês. É a que recebeu meu pai caipira na estação e trem sem ter nada além de coragem. É a que abriu o orfanato com meu tio-bisavô padre. É a cidade que parece ter outro fuso horário na Zona Leste. É a cidade vizinha que parece bairro na Zona Oeste. É a Cantareira muda da Zona Norte, é a Zona Sul que chic que choca com o batalhão de problemas. É o marco zero que da praça da fé católica professa a crença de todos os credos e cores.

Me pediram soluções e alternativas para a São Paulo que eu gostaria. E eu só gostaria mesmo é de dar a mão para o meu avô e para meu pai para a gente ver de novo selos na Praça da República e tomar uma Crush com sorvete de limão. Eu sei que nem sempre isso a gente fazia em São Paulo e também em Santos. Mas tem tanta coisa que a gente poderia fazer hoje e não faz.

Não custa relembrar. Nem sonhar. Quem sabe os filhos do Luca, Gabriel, Ricardo, Luigi e Manoela não vão lembrar em alguns anos como era gostoso andar de bike com a minha Silvana. Ou passear ao lado da marginal com o avô deles.

Cidade grande é como a nossa família. É enorme e cheia de problemas como a falta de água ou a sobra dela. Mas é a minha família. É a minha cidade.

Pena que a gente sangre como vampiro a nossa terra e não a trate como a gente cuida de quem é do nosso sangue.

Mauro Beting, paulistano há 48 anos, palmeirense há 48 anos e 9 meses, 25 anos de jornalismo esportivo em rádio, TV, jornal, revista, internet, escreve livros, dirige documentários, faz museus de futebol e palestras, comenta videogames, e nunca comeu pizza melhor que em São Paulo. Logo, é o melhor lugar do mundo.

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