Por indicação de um grande amigo que, inclusive, me ajuda em diversas coisas da SP In Foco, tomei conhecimento do caso do grafiteiro Pedro Henrique dos Santos Silva que, acreditem, quase foi morto enquanto estava espalhando sua arte pela cidade de SP. 

Em um post compartilhado em seu Facebook e, mais tarde, em uma entrevista dada à revista Forum, o artista fala sobre o acontecimento e seu sentimento de indignação com tudo que ocorreu.

Abaixo, o post na íntegra que o artista colocou em sua rede social. Para que todos conheçam um pouco mais sobre o artista, vale dizer que ele começou seu projeto na parte digital e, com o passar do tempo, decidiu que era o momento de passar para as ruas. Mais do que isso, começar a grafitar por SP, sempre em forma de protesto, foi um processo de aprendizado, passando pelo famoso “Lambe Lambe”, para chegar ao nível de um grafite.  Pedro Henrique já fez, em diversos momentos, protestos para a preservação da natureza, moradores de rua e temas nesse sentido.

Vale destacar que esse tipo de intervenção, em sua grande maioria, não recebe autorização da prefeitura para realizar esse tipo de arte. Entretanto, todo cidadão há de concordar, que ser alvejado a tiros por isso é uma atitude exagerada.

Confiram o registro, comentem sobre o caso e, se quiserem, deixem uma mensagem de apoio ao grafiteiro.

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Este é o relato sobre os acontecimentos de ontem. Muita gente me perguntou e se preocupou. Foi isso que aconteceu…. Passem adiante, pfvr.

Domingo, dia 14 de fevereiro de 2016

“Jovem que praticava ato de vandalismo é assassinado no Minhocão.”
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É desta forma que o dia 15 de Fevereiro poderia ter começado na capa dos principais Jornais dessa mídia enganadora.

O que vou escrever é um relato sobre os acontecimentos de ontem e sobre minha experiência nos últimos meses.
E isso na foto… sim… é a marca de um tiro. Ironicamente… ele me errou… e acertou minha arte.

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Acordei cedo como de costume. Preparei meus materiais, almocei e fui até o Centro de São Paulo para grafitar uma das principais vias de ligação da cidade.

Antes de terminar o mural que iniciei no dia 13 (sábado), parei para mais um protesto na saída do túnel para a Consolação. Ali o trânsito está sempre parado e tive a oportunidade de ver a reação das pessoas.

Os moradores de rua, como sempre, ofereceram ajuda para qualquer coisa. As pessoas nos carros pouco se manifestam.

No Graffiti, um urso panda anda de skate enquanto dá um flip e escreve “É foda ser tachado de DOIDO, VAGABUNDO mas… Como tudo deve ser?”

O Bruno, morador de rua, disse “Porra muleque. Tu dixava msm. Sério. Tu dixava”.

Uma senhora que parou o carro ao lado disse “Parabéns. Teu trabalho é lindo. Tem expressão.”

Alguém que estava alguns carros para trás gritou “Vai trabalhar, VAGABUNDO”. Quando virei e perguntei “QUEM É O VAGABUNDO?”… O silêncio covarde prevaleceu.

Para quem não sabe, meu nome é Pedro. Tenho 26 anos. Sou formado em Publicidade e Propaganda pela Cásper Líbero e Design Gráfico pela Escola Panamericana de Arte.

Trabalhei durante muito tempo em instituições financeiras como gerente para pagar meus estudos. Depois fui seguir meu sonho. Melhor… fui descobrir qual era realmente o meu sonho.

Demorou um ano e meio para me encontrar e entender o que eu vim fazer aqui. Trabalhando em agências de publicidade e produtoras, desenvolvi meu projeto chamado Astromeleon.

Nestes 22 meses de projeto, ele já passou por três fases distintas. As intervenções, o lambe-lambe e agora o Graffiti. E sempre foi um trabalho de um homem só. Talvez por isso eu tenha a simpatia de tantos amigos.

Chegou até a Revista NARGIS (Azerbaijão), ao Discovery Brasil, Zupi Magazine, Mistura Urbana, Duracell, Sadia, revistas de Yoga do Reino Unido e algumas outras coisas.

Quando percebi que minhas idéias já não cabiam numa folha de papel, entendi que minha missão aqui era ser artista de rua. Passar adiante aquilo que a maioria tem medo de manifestar.

MAS COMO SER ARTISTA DE RUA SE VOCÊ NUNCA ESTEVE NELA?

Não existe faculdade na rua. Não existem professores de rua. E ninguém distribui panfletos no farol com dicas de como fazer o seu protesto.

Artista não é vagabundo. Artista estuda 24h por dia.

Desenho desde os 4 anos e sou autodidata. Tudo que aprendi e desenvolvi na parte artística foi sozinho.

Nos últimos dois anos, desenvolvi minha própria técnica e meu estilo. Um cara que tinha deixado de desenhar há quase 8 anos…

O que aprendi nos últimos 45 dias ninguém pode ensinar. Pra ser da rua você precisa estar nela. E respeitar tudo que a ela pertence.

Voltando aos acontecimentos…

Terminei o Graffiti na saída do túnel e esperei a Raquel Aquino chegar. Ela me acompanhou no dia 13 também.

Descemos até o local onde muitos moradores de rua vivem isolados da realidade da maioria. Preparei o local e os materiais e iniciei.

Começava a entardecer e a Raquel ficou comigo até umas 18h. Daí pra frente eu fiquei sozinho.

O mural que estou fazendo é um protesto contra o RACISMO.

São dois ursos de 3m de altura. Um urso polar fêmea pixando “ASTROMELEON” enquanto corre e segura uma das mãos de um urso negro que pixa a frase “O AMOR NÃO VÊ COR”.

Atrás deles corre um urso panda filhote. Fruto da união entre o preto e o branco. Ele está feliz por ter o carinho dos pais e empina uma pipa com rabiolas coloridas.

Ainda faltavam muitos detalhes e eu tava bem cansado. Sábado e Domingo trabalhando de graça por horas.
Interrompi os detalhes no urso polar para assinar minha tag DRUNSKA ao lado e ir embora.

Foi nesse momento que tudo aconteceu.

Eu estava de costas para a avenida. A parte onde eu estava fica interditada porque o Minhocão não funciona aos Domingos.

A pista seguinte fica livre e é o principal acesso para quem vai no sentido da Avenida São João.

Muitos carros passavam. Era horário de pico. Chegava aí próximo às 19h 30min.

Enquanto passava o contorno na letra D eu ouvi um grito. Pensei que mais um ser desprovido de inteligência passou me xingando.

Ouvi o grito mais uma vez e entendi que ele dizia “VAZA DAÍ CARALHO!”

Com o rolinho e a bandeja de tintas eu me virei. Olhei para o carro preto e ele estava parado no meio da pista. Enquanto todos os outros carros passavam.

O homem ao volante estava fora de si. Era magro, rosto comprido, pele branca e cabelos longos como eu usava semanas atrás. Estava vestindo uma camisa branca e calça escura.

Ele gritou mais uma vez “PEGA TUAS COISA E VAZA CARALHO!” enquanto se contorcia de raiva. Estava descontrolado. Quase se debatendo. Não parecia gente.

Nesse momento eu dei dois passos adiante e comecei uma frase. “Calma cara. Isso aqui é Ar…”

Antes que eu terminasse de falar eu vi ele pegando algo e imaginei sim que seria um arma. Não sou ingênuo.

Ele sacou e engatilhou a bala na agulha. Vi o movimento clássico de filmes de ação. Quando você puxa a parte superior da arma para trás e escuta o “click” da bala indo do pente para a agulha.

Ele segurava uma pistola semi-automática preta. Muito parecida com uma 9mm.

Quando ouvi o click eu me virei para esquerda. Tomado pela adrenalida eu dei o primeiro passo e escutei o barulho seco.

É muito mais alto que nos filmes. É muito mais alto que as bombas de efeito moral que também já explodiram ao meu lado. 

Perdi um pouco do sentido e corri sem dar as costas para o carro. Jamais daria as costas pra um cara armado.

Corri para perto do Buraco da Minhoca. Vi que ainda segurava a bandeja e o rolinho. Meu celular estava no bolso mas não consegui pensar e tirá-lo. Porque o carro ficou parado ali por mais uns 30 segundos enquanto eu observava de longe esperando a próxima atitude desse cara.

Com as mãos tremendo eu fiquei ali. Parado.

Vi quando ele foi embora. E quando todos os outros carros simplesmente passaram sem oferecer nenhum tipo de ajuda.

Quase que na mesma hora uma pessoa com aparência bem humilde desceu pelo elevado correndo.

– Cara! Ele atirou em você??? Tá tudo bem? Vamos pegar tuas coisas. E vaza mano.

– Ele atirou mano. na minha direção. Pode crer que tá marcado na parede.

– Olha aqui. A marca do tiro.

– Abriu um rombo mano.

Joguei tudo dentro da mochila. Peguei a escada, as sacolas e corri.

Trombei com o Átila. Outro cara que estava fazendo trabalhos do outro lado.

– Tá tudo bem? Se acalma. Eu pensei que era bomba e corri também. Depois vi que era um tiro. Pegou tuas coisas?

– Peguei tudo mano. O cara apontou a arma pra mim e atirou.

– Vamos lá pra cima.

No caminho passamos por alguns moradores de rua que ficam do outro lado de onde eu estava.

– O cara atirou em vc mano? A gente viu tudo daqui. Vc tá bem?

– Tá tudo bem sim. Ele errou. Muito obrigado, chefe.

Subi pra Roosevelt com o Átila. Conversamos um pouco e comprei uma cerveja. Fumei 15 cigarros e depois fiquei uns 50min sozinho esperando pela Raquel.

Fico pensando o que esse monstro diz para esposa, filhos ou amigos quando chega em casa.

“Atirei hoje num muleque filho da puta pixador. Deve ter morrido enquanto agonizava sem ajuda embaixo do minhocão. Se fudeu raça do caralho.”

Ironicamente… a bala não me acertou. E atingiu justamente aquilo que eu levo no meu coração.

Atingiu minha arte na parede. A frase de protesto. Na palavra COR.

Eu não tive medo. Eu não tenho medo. Meus tremores eram de indignação. De vontade de voltar lá na hora e terminar.

É contra isso que eu luto. É por quem não tem coragem que eu falo.

Uma delegada uma vez disse:

– Você precisa baixar a cabeça quando for oprimido….

– Você tem pensamentos muito românticos….

EU NÃO BAIXO A CABEÇA. E LUTO PELOS MEUS IDEAIS!

Quando você percebe pelo que está disposto a morrer… você se encontra.

Obrigado a todos que tentaram me ajudar. Obrigado a todos que acreditam.

Eu to só começando a trilhar meu caminho. E sei que ele é longo.

Por favor… levem isso adiante.

Com os meus pincéis e latas em punho… Eu luto.

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