Qualquer morador de São Paulo, quando pensa nas obras de Niemeyer feitas na cidade, lembra, obviamente, do Copan, do Memorial da América Latina e de sua atuação  junto ao Parque do Ibirapuera.

Entretanto, apesar desses serem, de fato, os mais famosos projetos do centenário arquiteto para a cidade, existem outros edifícios com sua assinatura que sobrevivem até hoje. Nos anos 50 ele inaugurou prédios como: o Edifício Eiffel, na Praça da República; o Edifício Triângulo na Rua Direita; o Edifício Califórnia, Na Rua Barão de Itapetininga e dois edifícios na Avenida Ipiranga: o supracitado Copan e o Montreal, tema do resgate histórico de hoje.

Todos esses prédios foram projetados e desenvolvidos pelo escritório paulistano de Oscar Niemeyer, que era chefiado pelo competente Carlos Lemos. Falando do Montreal, ele fica entre na esquina da Avenida Ipiranga com a Cásper Líbero e o processo para sua concepção foi, ao mesmo tempo, complexo e bastante rápido.

A aprovação de sua construção, por parte da Prefeitura da cidade, foi cheia de debates contestações. O primeiro projeto, que fora encaminhado no ano de 1951, pedia urgência para que as obras pudessem começar logo e o edifício estivesse entregue em 1954, data do IV Centenário da cidade.

Registro do Montreal em 1957
Registro do Montreal em 1957

Outro motivo para o pedido de rapidez eram os anúncios apresentados pelo Banco Nacional Imobiliário, dono do edifício Montreal, que o pintavam como um monumento comemorativo:

“O 1º grande monumento do IV Centenário. (…)Um extraordinário projeto de Oscar Niemeyer, apresentando novos ângulos de perspectiva arquitetônica; pela primeira vez no Brasil – Apartamentos dotados de ‘brise-soleil’, de lâminas de alumínio móveis, que permitem controle individual de luz e ventilação nos apartamentos, além de favorecer a estética da fachada”.  (texto publicado no jornal Folha da Manhã de 1953)

Foi dentro desse contexto histórico de urgência e festividade, além do fator comercial, claro que o Montreal foi erguido e extremamente bem aceito pela sociedade, críticos e, até mesmo, recebendo prêmios por parte de jornais como o Folha da Manhã.

O Debate Com O Poder Público

Como dissemos acima, o processo de aprovação do projeto foi recheado de episódios curiosos e contestações por parte do poder municipal. Em um primeiro momento o avaliador da prefeitura encontrou um problema sobre a altura do edifício. O artigo 4º, do código da época, previa que acima dos 52 metros de altura, os edifícios de esquina deveriam ter um recuo de 2 metros nos andares superiores.

Nesse mesmo primeiro processo foram discutidos outros problemas, como a ventilação e a iluminação dos cômodos dos apartamentos. O restaurante previsto para o subsolo, que acabaria não sendo construído, por exemplo, tinha problemas com relação a esses itens.

Recortes do jornal Folha da Manhã com destaque para a construção do Montreal
Recortes do jornal Folha da Manhã com destaque para a construção do Montreal

Entre outras queixas sobre a planta dos apartamentos, o engenheiro Antônio José Capote Valente, chegou a declarar que:  “ deve ser substituída a denominação de ‘sala’ por dormitório, e previstas venezianas.”

Em outro momento da avaliação, o também engenheiro Carmello Damato, falou que:  “A nosso ver, as dimensões das peças salas (que devem ser realmente dormitórios), permite fácil subdivisão, criando mais peças com infração do art. 157 [o artigo em questão se refere às normas de saguões e corredores de construções na zona central]”.

Esses e vários outros comentários, que foram oficializados em junho de 1951 foram respondidos no final de julho do mesmo ano, por uma carta assinada por Niemeyer, que falava sobre as restrições do edifício.

“No projeto que elaboramos para o prédio a ser construído na esquina da rua Conceição com a Avenida Ipiranga, tivemos presente a preocupação da forma plástica. E isso, por se tratar de um edifício privilegiadamente localizado, de cujo aspecto arquitetônico dependeria -pelo menos em parte – o conjunto urbanístico local. Com esse objetivo, procuramos solução em que predominasse proporção e unidade, o que nos levou a evitar o recuo de que trata o referido comunique-se, uma vez que o mesmo cortaria as fachadas, desproporcionando irremediavelmente todo o conjunto com a agravante – o que nos parece mais grave – de  deixar ostensivamente à vista para a praça, a empena do prédio vizinho (da rua Conceição).”

E Niemeyer foi além. Segundo um estudo publicado por Daniela Viena Leal, o famoso arquiteto chegou a responder que: “Sua área total de construção é de 41.600,00 m³, demonstrando portanto não ser objetivo principal o aproveitamento máximo permitido, apesar de se tratar e local super valorizado.”

Sobre a questão da altura, o arquiteto também se manifestou: “Para maior clareza, Sr. Engenheiro Chefe, juntamos as fotografias da obra em apreço, solicitando de V.S. um novo exame do assunto, uma vez que o nosso projeto visa – antes de tudo – dar à cidade de São Paulo um prédio que não a comprometa urbanisticamente, contribuindo ao contrário, para o seu engrandecimento arquitetônico.” 

Os debates permaneceram por mais alguns dias, mas em 24 de outubro de 1951 a Prefeitura finalmente assina um termo aprovando a construção do edifício. Entretanto, por vários motivos, o alvará  só seria expedido em janeiro de 1952. Começava, então, o processo de erguimento do Montreal.

A Construção Do Edifício

Ao contrário do processo de aprovação, a construção do edifício foi bastante rápida. Para se ter ideia, em um mês foram fundidas 5 lajes, um feito para a época. A cada avanço da obra o jornal Folha da Manhã dava grande destaque, comemorando como se a obra estivesse pronta.

Para se ter uma ideia de como a cobertura desse evento estava grande, quando o prédio ficou pronto esse jornal fez uma matéria ultraespecial com fotos e comentários de Narciso Costa, um dos chefes dos corretores, sobre os recordes da construção:

“A projeção arquitetônica do edifício Montreal, seu relevo no panorama da cidade, está além da expectativa. Oscar Niemeyer está cooperando com sua arte para o brilho dos festejos do  IV Centenário, não apenas no Ibirapuera, mas também aqui, algo de extraordinário em arquitetura avançada. (…) Observe a fachada do edifício, a rigor são fachadas, porque uma difere da outra. A frente para a Av. Ipiranga é toda ela em lâminas de alumínio, variando a feição plástica da fachada de acordo com o movimento do sol. Por sua vez a fachada voltada para a praça Getúlio Vargas, que resulta da confluência das avenidas Ipiranga e Conceição, e para a Av. Conceição, é toda ela em lâmina num tom amarelo cádmio. Estas fachadas emprestarão ao bloco arquitetônico uma projeção rara, constituindo para São Paulo e para os paulistanos um monumento de rara beleza que com orgulho será mostrado aqueles que nos visitarem no IV Centenário.”

Edifício Montreal em um cartão postal
Edifício Montreal em um cartão postal

A entrega da obra foi totalmente acompanhada pela Folha da Manhã e, no artigo dentro do jornal, foi destacada a rapidez da construção e parabenizando os 400 operários que trabalhavam em vários turnos.

Sua fachada ficou reconhecida devido aos “brises” horizontais totalmente feitos em concreto, característica de Niemeyer em várias de suas produções, como o Copan e o edifício Niemeyer, em Belo Horizonte.  Esses detalhes, aparentemente sem importância, foram cuidadosamente estudados para melhor proteger os apartamentos do sol nas diferentes faces do edifício.

Edifício Montreal, por Francisco Albuquerque, em 1955
Edifício Montreal, por Francisco Albuquerque, em 1955

Outro aspecto de destaque do edifício fica por conta de sua moderna “permeabilidade”. O Montreal não impede a passagem do público e, graças aos espaços comerciais projetados por Niemeyer, não existe uma barreira de concreto entre os pedestres e o edifício, o que o torna, praticamente, um equipamento da cidade.

Para quem nunca reparou, o Montreal fica na Av. Ipiranga, 1284 – República.

5 Comments

  1. Prezados senhores, bom dia
    Tenho 83 anos de idade e sou paulista (e paulistano desde o ano de 1940 quando aquí cheguei vindo de Itapetininga…) sou um fervoroso defensor das coisas belas e antigas desta Cidade que, infelizmente a tal de “modernidade” acabou com muitas “relíquias” (como diversos monumentos que tínhamos, em nossa Cidade…) que conhecí, nas minhas “andanças” por esta Cidade, desde os anos 40, quando comecei a trabalhar (com 11 anos de idade) em uma agência de entregas, que ficava no Largo de São Francisco, ao lado do Largo do Ouvidor…Assim sendo, como os senhores “PRIVAM” os mais jovens de além de vêr, colecionar as fotos antigas da Cidade aquí postadas, (não por mim, pois tenho em arquivos, mais de 2 (duas)mil fotos da São Paulo antiga…) peço assim que, retirem a minha “inscrição” no site…Grato – FLAVIO ROCHA

    1. Não entendi o comentário do senhor. Como “privamos” os mais jovens de qualquer coisa? Nenhum outro portal da cidade oferece o conteúdo que tão duramente trabalhamos e pesquisamos. Realmente não entendi o comentário do senhor.

  2. São Paulo, a maior e mais desenvolvida cidade da América, a terceira maior do mundo, onde o brasil todo se instala e se acotovela, obrigado minha eterna SÃO PAULO

  3. Gostei do artigo e quero comentar o seguinte: por um bom tempo no passado trabalhei c/ aprovação de projetos, principalmente na Adm. Regional do Butantã. E também, em 2010, aprovei o projeto de construção da minha residência na AR Campo Limpo. Tive muitos embates por comunique-se dos engenheiros de aprovação, por não concordar muitas vezes com as leis de recuos e ventilação das construções. A lei é fria e às vezes não há bom senso em aplicá-las. Na rua que moro, urbanizada à 60 anos, é um absurdo aparecer como área de proteção ambiental. E se permitir a construção de apenas uma vez e meia a área do lote. Totalmente fora da realidade. Não tenho habite-se por causa da estupidez da lei…

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