O bairro das olarias paulistanas: a história do Tatuapé

A história do bairro do Tatuapé remonta ao ano de 1560, quando Brás Cubas, fundador de Santos, subiu a Serra do Mar acompanhado de seu amigo Luís Martins e um grande número de criados em busca de ouro. Ao chegarem ao planalto, depararam-se com um ribeirão chamado Tatu-apé — nome de origem tupi que significa “caminho do tatu” — e decidiram seguir seu curso. Contudo, ao atingir a foz do ribeirão, encontraram o Rio Grande, hoje conhecido como Tietê, e optaram por se estabelecer ali.

O nome “Tatuapé” é de origem tupi e significa literalmente “caminho do tatu” (tatu = tatu; apé = caminho). O bairro era parte das rotas usadas por tropeiros e bandeirantes que, vindos de São Paulo, seguiam rumo ao interior pela trilha que levava a São Miguel Paulista e, posteriormente, às minas de ouro em Minas Gerais.

Nessa região, eles instalaram um rancho, um curral e várias casas. Por ser uma região fértil, começaram a desenvolver criações de gado, porcos e várias culturas, entre elas a de cana e uva. Vale o destaque que a cultura de uva ficaria famosa nos anos seguintes devido à boa qualidade do vinho feito nessa região.

Contudo, essa “paz” durou pouco tempo. Devido à invasão francesa que ocorria no Rio de Janeiro, Brás Cubas foi obrigado a deixar tudo para Rodrigo Álvares, que, por sua vez, acabou deixando tudo para o seu filho.

A ocupação efetiva da região, entretanto, só aconteceria a partir do século XVII, quando os herdeiros dos então donos da região venderam grande parte de suas terras ao Padre Mateus Nunes de Siqueira. Este, por sua vez, ergueu uma pequena casa na várzea do Rio Tietê, que hoje é conhecida como Casa do Tatuapé. Em 1765, o local já era identificado como bairro Tatuapé-Aricanduva, sendo o precursor da região que conhecemos hoje. A Casa do Tatuapé é hoje um patrimônio preservado e um dos mais antigos exemplos da arquitetura bandeirista paulistana.

Após o ataque fracassado de índios tupinambás a São Paulo em 1562, muitos indígenas fugiram e atravessaram o Tatuapé para se abrigar na aldeia dos Ururaí. Em 1589, esse local reunia cerca de oitocentos índios, sob a orientação do padre Diogo Nunes, revelando o papel do bairro como área de refúgio e evangelização jesuítica.

No final do século XIX, começaram a chegar as primeiras levas de imigrantes à região. Entre esses novos habitantes estavam portugueses, italianos e espanhóis. Foram esses moradores que iniciaram as instalações de chácaras, olarias e a construção de estradas de ferro.

Estes dois primeiros itens foram o estopim para o crescimento do bairro. As olarias se formaram às margens do Rio Tietê, onde as várzeas eram ricas em argila, permitindo a exploração de areia em grande escala. Existiram aproximadamente 15 olarias, e o que muitos historiadores declaram até hoje é que os tijolos e as telhas fabricados no Tatuapé ajudaram a construir a cidade de São Paulo. Os tijolos escuros, feitos com o barro retirado do fundo do rio Tietê ou das margens após as cheias, secavam ao sol por duas semanas antes de serem queimados por 100 horas em fornos a lenha.

Destaque para as chácaras

A instalação das chácaras faz parte da grande história do Tatuapé. Com proprietários ricos e com dimensões gigantescas, elas eram responsáveis pela produção de diversos produtos como verduras e frutas, como pêssegos, peras, caqui e uvas.

Essas últimas frutas, aliás, tiveram um importante patrocinador para se desenvolverem no Brasil: a família Marengo. Benedecto Marengo e seu filho Francisco foram os responsáveis pela produção das uvas do tipo niágara no país. A contribuição da família foi tão grande que acabou batizando logradouros do bairro, como as ruas Francisco Marengo e Emília Marengo (mulher de Francisco). A introdução da uva niágara em São Paulo é atribuída ao jardineiro italiano Francisco Marengo, que fez as primeiras experiências com a fruta na chácara “Vila Maria”, com incentivo de Veridiana Prado, importante dama da elite paulistana.

Muitos lugares do Tatuapé receberam nomes populares, como “Buracão do Maringá”, “Morro Vermelho” e “Calipal”. Esses topônimos espontâneos foram criados pelos próprios moradores e expressavam características do relevo ou da vivência local, formando uma geografia afetiva antes mesmo da oficialização urbana.

Suas propriedades eram monstruosas, e a chácara da família virou ponto turístico entre o final do século XIX até meados da década de 30.

Evolução do bairro

Após a colonização e o auge do bairro com as famosas uvas, novas medidas foram tomadas para a modernização da região. Com a construção da Estrada de Ferro do Norte, ligando São Paulo ao Rio de Janeiro em 1875, o bairro começaria a mudar. Em 1886, foi inaugurado o ramal da Penha, no Tatuapé, que implantou duas estações: a 5ª parada, próxima à Rua Tuiuti, e a 6ª na Rua Antônio de Barros, hoje conhecida como Engenheiro Sebastião Gualberto.

E a mudança não pararia por aí. Nos primeiros anos do século XX, as tradicionais olarias vão cedendo espaço para as indústrias têxteis, entre elas: a Tecidos Tatuapé, do Grupo Santista; a Tacabow e o Cotonifício Guilherme Giorgi, no Carrão.

Além de novas oportunidades de trabalho, o bairro também recebeu novas formas de diversão. Os primeiros cinemas da região chegaram nas décadas de 20 e 30.

Entre os cinemas antigos que deixaram o sentimento de nostalgia nos moradores mais antigos, estão: o São Luís, o Saturno, o Aladim, o Pagé e o São Jorge (localizado na Av. Celso Garcia — atualmente, o prédio é ocupado por uma casa de calçados). Os cinemas da época funcionavam como espaços de socialização — era comum que os homens só pudessem entrar vestidos a rigor, com terno e gravata, o que dava um ar cerimonioso à ida ao cinema.

A partir da década de 1970, o bairro passou por um processo de intensa verticalização, com a construção de edifícios residenciais, especialmente nas regiões próximas ao Jardim Anália Franco. Muitas casas antigas foram substituídas por prédios, alterando significativamente a paisagem e pressionando antigos moradores a se mudarem — um fenômeno conhecido como “terrorismo imobiliário”.

Embora atualmente o bairro exiba uma imagem de nobreza, com shopping centers e condomínios de alto padrão, essa modernidade convive com desigualdades e uma carência histórica de equipamentos públicos culturais e de lazer. Isso evidencia os contrastes entre a valorização imobiliária e a infraestrutura social efetivamente disponível.

Atualmente, o bairro passa por uma mudança drástica. Antes uma região que abrigava uma população pertencente às classes média e baixa, hoje o Tatuapé possui moradores de classe alta e empreendimentos imobiliários dedicados a esse tipo de consumidor. O comércio se verticalizou, os antigos casarões deram lugar a edifícios de alto padrão, e a mobilidade urbana passou a contar com amplas opções de transporte, como estações de metrô e ciclovias.