A primeira emissora de televisão brasileira, a extinta TV Tupi, surgiu na cidade de São Paulo no dia 18 de setembro de 1950. Conhecida inicialmente por PRF-3 TV Tupi Difusora, ela só surgiu devido a um grande trabalho de cooperação que envolveu diversos empresários, artistas e profissionais do segmento que acreditavam na implantação de um novo meio de comunicação no Brasil.

A emissora pertenceu ao lendário jornalista Assis Chateaubriand e era um projeto bastante antigo do empresário. Ele planejou essa implantação desde 1946 e ela se tornou mais uma das ações desenvolvidas pelos Diários e Emissoras Associados, nome do império que dominou a comunicação nacional por muitos e muitos anos.

O surgimento dessa emissora é cheia de histórias folclóricas. Uma delas fala sobre a escolha da sede da televisão. Diz a lenda, registrada na biografia de Assis Chateaubriand que, em uma tarde de fevereiro de 1949, o jovem galã e radioator Walter Forster jogava peteca no pátio da Rádio Difusora de São Paulo, no Alto Sumaré, em companhia de Cassiano Gabus Mendes e Dermival Costa Lima. Enquanto a partida era disputada, diversas fãs ficavam de olho nos galãs a espera de um autógrafo ou de um aceno.

No meio do jogo, que era realizado em uma quadra improvisada, Assis Chateaubriand, de terno preto de lã e chapéu, invadiu o local, acompanhado de um grupo de homens, todos vestidos a rigor, trazendo nas mãos papel, diagramas e trenas. Sem a menor cerimônia foi iniciada uma cuidadosa medição para a escolha dos estúdios da futura TV Tupi.

Enquanto os funcionários realizavam os preparativos, Walter Forster se aproximou cautelosamente de seu patrão e perguntou:

– Mas, doutor Assis, o senhor está pretendendo acabar com o nosso campinho de peteca?

Sem se levantar por completo da medição que fazia, ele apenas ergue os olhos com desdém:

– Vocês vão jogar peteca no diabo que os carregue: aqui vão ser os estúdios da tv Tupi.

Quando o paraibano chegou e interrompeu o jogo de peteca, ele já havia negociado nos Estados Unidos com os empresários Meade Brunnet e David Sarnoff, diretores da Rca Victor. Na ocasião, ele pagara 500 mil dólares aos americanos em uma das muitas prestações que fez para a compra de trinta toneladas de equipamentos no valor de 5 milhões de dólares.

Chateaubriand em frente a um dos totens da RCA, empresa que vendeu os primeiros equipamentos para a TV Brasileira.
Chateaubriand em frente a um dos totens da RCA, empresa que vendeu os primeiros equipamentos para a TV Brasileira.

Nesse momento, como não poderia deixar de ser, outra grande história aconteceu. Após a assinatura dos contratos e o pagamento da primeira parcela, Chateaubriand foi convidado a embarcar e conhecer a mais nova invenção da empresa. Com um pouco de relutância, ele aceitou o convite e depois de atravessar os EUA, pegou um carro e se dirigiu à fábrica.

Uma vez na fábrica, ele foi conduzido a um auditório e lá começou uma transmissão de uma banda de jazz em cores. A novidade, como não poderia deixar de ser, acabou espantando Chateaubriand que, imediatamente, perguntou:

– O que é isso, senhor Sarnoff? Que bruxaria é essa?

O empresário americano, então, respondeu que não havia bruxaria e que aquela era uma experiência que vinha sendo desenvolvida fazia algum tempo: a transmissão de TV em cores.

Nesse momento, para o espanto geral de todos, Chateaubriand abriu a pasta que carregava, tirou de dentro dela as cópias dos contratos que assinara na véspera e picou-os enquanto gritava em seu inglês com sotaque paraibano:

– Não pense que só porque eu venho de um país atrasado o senhor vai me vender equipamento obsoleto, senhor Sarnoff! Só aceito fazer negócio com a Victor se levar transmissores de televisão em cores para o Brasil.

David Sarnoff, então, teve que explicar ao paraibano que, mesmo nos EUA, as pesquisas ainda iam levar muitos anos até que a TV em cores fosse acessível ao público, informação que se mostrou correta, afinal, esse produto só chegou ao mercado dezessete anos depois, em 1966.

A Primeira Transmissão em Território Brasileiro

O momento em que os paulistanos conheceram a televisão foi um acontecimento único na cidade. Apesar da grande preparação realizada pelos funcionários da TV Tupi, muitas ideias e preparativos acabaram não saindo do papel.

O show de variedades, que foi ensaiado durante um mês, acabou sendo feito no improviso graças a uma falha técnica dos equipamentos de transmissão. Logo após todos saberem exatamente o que precisava ser feito para que a TV entrasse no ar, uma das câmeras acabou falhando e, nas palavras do então diretor Cassiano Gabus Mendes, “o programa tem que ir ao ar do jeito que desse”. Acabou indo para o ar às 20 horas, com uma hora de atraso que foi aguardada com muita ansiedade pelos telespectadores.

Dessa maneira, as marcações nos chãos, falas e scripts foram deixados de lado e, com a presença de personalidades como Hebe Camargo, Wilma Bentivegna, Walter Foster, Lima Duarte, Romeu Feres, etc, a TV deu o pontapé inicial no país.

Ao mesmo tempo em que os funcionários se desdobravam para fazer a transmissão acontecer, Chateaubriand vibrava em um salão do Jockey que ele havia previamente reservado para observar o resultado de seu investimento. Entre os presentes, como não poderia deixar de ser, estava David Sarnoff, presidente da Rca Victor-Nec, que havia vendido grande parte da estrutura utilizada na TV Tupi.

Logo da TV Tupi
Logo da TV Tupi

Como parte das comemorações da pré-inauguração da TV, a chamada classe produtora, composta por banqueiros, comerciantes, industriais, etc, resolveram oferecer um grande banquete no restaurante do Mappin para homenagear o “bandeirante” Chateaubriand pela coragem de implantar a TV no Brasil. Entretanto, antes dos pratos serem servidos, o dono dos Associados pediu a palavra e anunciou que ia mudar a festa, mudando o sentido da homenagem que seria prestada.

Ele deu ordens para que a cozinha servisse guaraná e sanduíches de mortadela a todos presentes, que incluíam os homens mais ricos do Brasil, e fez um leilão com as principais iguarias do jantar. Esses pratos foram direcionados para o Alto do Sumaré para, nas palavras do paraibano, “alimentar o time associado que está lá, trabalhando pelo progresso das comunicações no Brasil”. A renda do leilão seria destinada à compra de obras de arte para o MASP.

Com relação a quem assistiu a transmissão, vale dizer que existiam por volta de 200 aparelhos na cidade que foram, literalmente, contrabandeados por Assis Chateaubriand. Mais do que isso, vários curiosos puderam acompanhar a primeira transmissão em um os 22 receptores distribuídos em vitrines de 17 lojas diferentes da cidade de São Paulo.

A parte técnica da TV Tupi, em um primeiro momento, era bastante modesta: o alcance era 100 quilômetros de raio e chegava às cidades de Campinas e Santos. Um ano depois, em 1951, o país já tinha sete mil aparelhos nas cidades de São Paulo e do Rio e a tecnologia foi melhorada para sanar a necessidade dos novos consumidores.

Uma Pequena Curiosidade Histórica

Para testar os equipamentos e colocar seus profissionais em prática, Chateaubriand exigiu que, para a inauguração oficial e formal do MASP e do edifício Guilherme Guinle, sede dos Associados, a estrutura de transmissão fosse utilizada em um circuito fechado de televisão.

Na data  marcada, 5 de julho, um monitor foi instalado no saguão do edifício e outro ao ar livre, nas esquinas das ruas Sete de Abril e Bráulio Gomes. Entre os presentes estiveram o presidente Dutra, artistas de rádio, o milionário americano Nelson Rockefeller e várias outras celebridades.

Chateaubriand falando em frente a uma de suas câmeras
Chateaubriand falando em frente a uma de suas câmeras

Tudo deu certo e a primeira transmissão, ainda em fases de testes, foi um sucesso que acabou encerrada com uma apresentação do  frade-cantor mexicano José de Guadalupe Mojica, de 54 anos, que cantou o grande sucesso do momento, o seu bolero “Besamé”. Surgia, assim, a TV Brasileira.

*Parte das informações do texto foram retiradas da biografia de Assis Chateaubriand denominada “Chatô – O Rei Do Brasil”

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