A Contribuição de Perus – A Companhia de Cimento Portland

O bairro de Perus, que fica na região noroeste da cidade de São Paulo, possui uma grande contribuição para a construção da cidade de São Paulo que conhecemos hoje. Se, por um lado, a história de seu surgimento é extremamente curiosa (falaremos em outro texto, com o destaque merecido), por outro, a fundação da Companhia de Cimento Portland, eternizou a região na nossa história.

De maneira muito resumida, Perus surgiu graças a expansão do centro da cidade, em busca de áreas inabitadas de São Paulo.  Até o ano de 1867, o local era apenas uma vila, muito distante do Distrito da Freguesia do Ó. Contudo, com a chegada do boom do café e da São Paulo Railway (que ainda funciona sob a égide da CPTM), tudo mudaria na construção e composição do bairro.

Entretanto, se a chegada da SP Railway muda a cara do bairro, trazendo mais moradores e pessoas para a região, a criação da estrada Perus – Pirapora (EFPP), datada de 1914, tira Perus do ostracismo. Os trilhos nunca chegaram a Pirapora, mas o percurso era o suficiente para levar pedra calcária de Cajamar até Perus.

Com esse trajeto funcionando, estava aberto o caminho para a construção de uma fábrica de grande porte e pioneira no seu setor: a Companhia de Cimento Portland Perus, mais conhecida como Fábrica de Cimento de Perus.

Os responsáveis por fundar essa empresa foram empresários canadenses, da Indústria Drysdale y Pease, de Montreal. Eles identificaram que a região distante era a ideal para a instalação de um empreendimento daquela ordem e firmaram parceria com dois moradores comerciantes de Perus – Sylvio de Campos e Arthur Costa Jambeiro – que foram, respectivamente, nomeados presidente e vice-presidente. Fabricavam o cal em Cajamar, que chegava a Perus por meio do trem Maria-Fumaça, e ia pra São Paulo nos trilhos da Railway.

Fundada a Companhia de Cimento Portland Perus

A empresa foi fundada no ano de 1924, data em que o primeiro maquinário da indústria foi encomendado. Em abril do ano seguinte as plantas estavam entregues e no dia 24 de abril de 1926 a fábrica produz sua primeira leva de cimento.

Sua importância para a cidade foi gigantesca, tendo em vista que entre 1926 e 1933, ela foi a principal fonte de matéria prima para erguer prédios, casas, indústrias e qualquer tipo de edifício, tanto na cidade de São Paulo, quanto em outros estados.

Se antes os moradores se restringiam a donos de terras, o bairro começou a criar, de fato, uma população. Pessoas de todos os lugares e etnias passaram a procurar por moradia em Perus: imigrantes e migrantes foram morar na região em busca de novas oportunidades e, essa miscigenação, acabou marcando a população peruense.

Nessa época, o Brasil consumia cerca de 496.582 toneladas de cimento. Desse todo, pelo menos cento e vinte e cinco mil vinham dos fornos de Perus. No ano de 1951, um grande acontecimento mudaria para sempre a história da companhia. Acontece uma troca de comando bastante significativa: chega José João Abdalla, deputado federal pelo Partido Social Democrático (PSD) e Secretário do Trabalho do Governador Adhemar de Barros de 1950 a 1951, líder de um império industrial, bancário e agropecuário. A partir de então, vê seus negócios crescerem, pois passa a ser sócio majoritário da indústria cimenteira, transformando fábrica, ferrovia, pedreiras de calcário, o Sítio Santa Fé, onde hoje é o Parque Anhanguera, e terras de Cajamar em parte integrante de suas posses.

Fábrica de Cimento de Perus, em um registro sem data. Imagem de Nelson Barbosa

O grande problema foi que, com esse império imenso, problemas começaram a fazer parte da rotina da empresa. O mandatário, por exemplo, passou a ser chamado de mau patrão, não fazendo atualizações no maquinário e não investindo na segurança de seus empregados. E, vale dizer, essa fama de patrão desleixado foi instituída pelo Estadão que, em vários artigos, documentava os problemas de relação entre Abdalla e seus operários.

Com esse cenário extremamente desfavorável, os trabalhadores se organizaram e começaram a reivindicar direitos trabalhistas. Esse grupo ficou conhecido como “Os Queixadas”, termo que faz referência ao ruído que porcos selvagens faziam ao se reunir para se defender. Com a piora das relações, uma greve foi realizada, gerando até conflitos físicos.

No dia 14 de maio de 1962, sem a resposta da diretoria das empresas, as quatro empresas da Família Abdalla acabaram entrando em greve, só voltando a trabalhar se todos os pedidos fossem atendidos. Mas, ao passar de 32 dias, todos aqueles que estavam de comum acordo, voltaram ao trabalho, exceto os Queixadas da Perus. Com isso, o grupo do Perus se organiza e passa a pedir a desapropriação da fábrica, pelo não cumprimento de acordos trabalhistas estabelecidos com a gestão em 1959 e 1960.

O problema permaneceu até o dia 7 de agosto de 1962, quando o Estadão publicou o parecer de alguns juristas que estavam a favor da desapropriação ao lado de um manifesto dos sindicalistas intitulado: As razões da justa greve da Perus.

Entre as reinvindicações vale destacar: o pagamento de 5% do salário, que estava retido desde 1960 (dinheiro que era para o loteamento de casas de operários, no total de 17 milhões da moeda da época); pagamento do prêmio coletivo acordado em 1961, pagamento de 10% da taxa de insalubridade; registro de 100 trabalhadores que trabalhavam nos eucaliptos, contratação de nova mão-de-obra, pagamento de horas de espera pelo pagamento e antecipação de 20% dos salários dos trabalhadores da indústria Carioca.

Após quatro meses do começo da greve, foi acordado com os trabalhadores que eles deveriam tirar novas carteiras de trabalho e procurar novos empregos, até que a questão fosse resolvida.

Com o passar dos anos, a greve também foi tomando outras formas. Os piquetes praticamente acabaram. Os protestos, agora, eram passeatas. As assembleias, a melhor forma de manter a constância dos encontros. Se o Queixada não podia ir por causa do emprego, ia a mulher com os filhos nos braços, realçando a importância das mulheres nessa tão longa greve. Mas, mas no fim não deu em nada e a luta trabalhista continuou até 1969 quando terminou a grave com algumas conquistas ganhas.

Atualmente, existe o “Movimento pela Reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus” formado pelas principais lideranças do bairro, assim como estudantes, professores, universitários e demais ativistas que lutam em prol da utilização do espaço, atualmente degradado pela ação do tempo.

Referências: https://movimentofabricaperus.wordpress.com/historico/historico-da-fabrica/

http://netleland.net/categoria-geral/cimento-queixadas-e-uma-greve-de-7-anos.html