O lança-perfume e a alegria dos carnavais do século XIX

Baile de carnaval, sem lugar definido, quando o lança-perfume era permitido

A mistura de éter, clorofórmio, cloreto de etila e essência perfumada já fez muito sucesso nos carnavais. Ouso dizer que ainda faz.

Essa mistura, conhecida como lança-perfume (ou loló), já foi legalizada no Brasil e embalava os carnavais do começo do século XIX em várias regiões do país, inclusive nos estados mais ricos da nação: Rio de Janeiro e São Paulo.

Segundo levantamentos históricos, o produto começou a ser produzido (o que não quer dizer que não circulava pelo país bem antes) em 1922, pela empresa Rhodia, na cidade de Santo André, cidade da Região Metropolitana de São Paulo. O lança-perfume era fartamente anunciado em publicidade impressa de revistas e jornais e, com o passar do tempo (e com os excessos de alguns foliões), entrou na mira das autoridades. 

Na época, o produto era vendido em tubos metálicos de alta pressão. Isso facilitava com que o produto fosse borrifado e inalado, popularizando rapidamente o lança-perfume. A primeira aparição do produto no Brasil é datada de 1904 e, em 1906, já havia se tornado um sucesso.

Anúncio de lança-perfume para o Carnaval no RJ em 1910

Não dá para estabelecer quando o “cheirinho” do lança passou a se tornar um alterador de consciência, digamos assim. Mas não é impossível imaginar que, em salões, garagens e nas “discotecas” fechadas, a quantidade de pessoas usando os tubos tenha feito com que o ar ficasse carregado pela mistura e todos tenham ficado mais “felizes”.

Baile de carnaval, sem lugar definido, quando o lança-perfume era permitido

O que sabemos é que, nos anos 20, após a chegada do “lança” da Rhodia, diversas empresas passaram a investir no produto: Geyser, Meu Coração, Pierrot, Colombina, Nice e mais.

A mania era tão grande que, até mesmo marchinhas de carnaval foram criadas exaltando o produto, como lembra o Vitor Paiva, do Hypeness: “Rei Momo agora merece/ Nosso apoio oficial/ Mas a alegria quem tece/ É o bom RODO de metal!”, dizia uma delas, que seguia: “Um perfume suave eu espalho/ Sou distinto, perfeito, não falho/ Sou metal e no chão não estouro/Sou o lança-perfume RODOURO”.

Garrafa de lança-perfume da marca Rhodia, do início do século passado

Contudo, no final dos anos 20, começaram a aparecer opositores ao lança, inclusive, o famoso apresentador Flavio Cavalcanti.  Um jornal da época chegou a publicar que: “O éter fantasiado de lança-perfume é sorvido com escândalo pelo carnaval. No vício legalizado, o Brasil consome quarenta toneladas do terrível entorpecente. Essa quantidade de anestesia daria para abastecer todos os hospitais do mundo”, conclui.

A campanha de Cavalcanti, junto com o populista Jânio Quadros, resultou na proibição do produto, já em 1961, quando Quadros era presidente do país.  Abaixo o decreto que botou fim em um ingrediente que embalou carnavais por mais de 50 anos. 

DECRETO Nº 51.211, DE 18 DE AGOSTO DE 1961

Proíbe a fabricação, o comércio e o uso do ”lança-perfume” no território nacional.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o art. 87, item I da Constituição,

      CONSIDERANDO que o cloreto de etila, usado na fabricação dos “lança-perfumes”, é substância nociva à saúde;

      CONSIDERANDO que se vem generalizando, de maneira alarmante, a prática de aspiração do “lança-perfume” como meio de embriaguez;

      CONSIDERANDO, que por êsses motivos as Polícias dos Estados, no sentido da manutenção da ordem pública, vem procurando restringir o uso do “lança-perfume”, baixando instruções proibitivas;

      CONSIDERANDO que o Código Penal Brasileiro, no seu artigo 278 proíbe o fabrico e a entrega ao consumo de “coisa ou substância nociva à saúde”;

      CONSIDERANDO que ao Estado cumpre zelar pela saúde e bem-estar da população;

      CONSIDERANDO, finalmente, que nada justifica a tolerância do Poder Público para com o emprêgo da substância nociva à saúde, como instrumento de folguedo carnavalesco, acessível à generalidade da população,

DECRETA:

       Artigo 1º Ficam proibidos a fabricação, o comércio e o uso do “lança-perfume” em todo o território nacional.

      Artigo 2º Serão cassadas, pelos órgãos competentes do Poder Público as licenças e patentes anteriormente concedidas para tal indústria.

      Artigo 3º As autoridades policiais tomarão providências para que sejam cumpridas as determinações constantes do presente Decreto.

     Artigo 4º Êste Decreto entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 18 de agôsto de 1961; 140º da independência e 73º da República.

JÂNIO QUADROS
Oscar Pedroso Horta
Hamilton Prisco Paraíso
Castro Neves
Cattete Pinheiro
Octávio Augusto Dias Carneiro

Mas, sinceramente, vocês acham que essa proibição fez com que as pessoas parassem de usar? Ou só “dificultou” o acesso ao entorpecente?

Referências: 

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-51211-18-agosto-1961-390799-publicacaooriginal-1-pe.html

https://www.hypeness.com.br/2020/02/lanca-perfume-ja-foi-legalizado-e-teve-fabrica-em-recife-a-historia-da-droga-que-se-tornou-simbolo-do-carnaval/

https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/03/01/interna_gerais,503413/lanca-perfume-que-ganhou-os-saloes-no-inicio-do-seculo-passado-ainda-traz-lembrancas.shtml

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