Em uma dessas andanças por sebos de São Paulo, encontrei uma preciosidade histórica: o livro “Cingapura – O encontro de São Paulo com a cidadania”, de Lair Krähenbühl, um dos criadores e idealizadores do projeto. A obra, bem produzida, nos conta planos e ideias de um projeto que tinha tudo para mudar o conceito de habitação popular na cidade. Iniciado no ano de 1995, pelo então Prefeito Paulo Maluf (o mesmo que quis mudar a capital de São Paulo para o interior, mais especificamente, para a cidade de Brotas).

Originalmente, o projeto de São Paulo foi inspirado no Programa de Habitação Popular do Governo de Singapura (daí o nome Cingapura) que, na época, foi um grande sucesso. A ideia asiática passou por uma agência de desenvolvimento estatal que, em parceria com a iniciativa privada, auxiliou no processo de constituição de grandes quantidades de moradias populares.

Claro que, os trabalhadores singapurenses também contribuíram através do Fundo Nacional de Previdência, Habitação e Desenvolvimento, onde cada trabalhador interessado contribuía com parte de seu salário para a construção de seu apartamento. O projeto de Singapura foi iniciado em 1964, mais de trinta anos antes do de São Paulo.

A iniciativa asiática tinha como objetivo a construção maciça de moradias dignas que fossem capazes de atender ao grande número de pessoas desabrigadas que viviam em condições sub-humanas desde o começo da década de 60, período de grande déficit habitacional. O projeto tinha que ser muito bem feito, afinal, o governo também previa que a década de 70 seria de crescimento populacional, o que demandaria a continuidade da iniciativa.

Um exemplo de moradia popular de Singapura

A ideia deu tão certo que, na década de 90, já haviam 740 mil apartamentos construídos e a iniciativa foi aprimorada. Através de uma melhoria de gestão, projetos, etc, o governo decidiu que poderia reformar aquelas unidades populares e, até mesmo, oferecer acomodações melhores, caso os cidadãos estivessem dispostos a pagar por elas. Estimativas dão conta de que, atualmente, cerca de cerca de 80% da habitação dos seus cerca de 5,4 milhões de moradores são financiados pelo governo, em edifícios similares entre si.

O projeto brasileiro: Com essa breve introdução do projeto asiático, vamos ao projeto que foi implantado na cidade de São Paulo, como já citado, pelo prefeito Paulo Maluf. O Cingapura nasce na Secretaria Municipal de Habitação e de Desenvolvimento Humano, a Sehab, e teve como idealizador de seu nome o famoso publicitário Duda Mendonça.

A principal definição do projeto pode ser especificada através da seguinte sentença que encontramos no livro: “Este projeto não se limita à verticalização, ou seja, à construção de prédios de apartamentos, mas promove também a transformação da favela em loteamento, condomínio ou conjunto (vila) a medida em que implanta infraestrutura e serviços de saneamento básico , além de melhoria de imóveis remanescentes”. 

Outras informações complementares, que valem o registro, ficam por conta da coluna de Luís Nassif, quando escrevia para a Folha: “O primeiro passo do programa foi mapear as favelas com mais de cem unidades, preferencialmente erguidas em áreas de risco, perto de encostas e córregos. O passo seguinte é contatar o proprietário, para permitir a legalização do terreno.

Enquanto se constrói o prédio, os favelados mudam-se de seus barracos de 16 metros quadrados para alojamentos provisórios, de 30 metros quadrados, enquanto aguardam os apartamentos de 42 metros quadrados que lhes serão entregues a um custo total de US$ 7.800 a US$ 8.500. 

O projeto está sendo financiado por um Fundo Municipal de Habitação, com recursos do Bird, verbas orçamentárias e o chamado potencial construtivo —a possibilidade de o construtor pagar à prefeitura para poder construir área maior do que a prevista em lei”.

Prosseguindo o registro, o livro de Lair Krähenbühl mostra uma ideia fantástica. A possibilidade de urbanização de favelas, o cuidado com a população carente, mapeando a região, construindo moradias provisórias enquanto os edifícios são elevados e o desenvolvimento da infraestrutura. Um projeto de primeira linha.

Mas, boas intenções de lado, o Cingapura de São Paulo possui diferenças sensíveis e fundamentais se comparado ao projeto original de Cingapura. Comecemos pelo tamanho dos edifícios. No caso asiático, os edifícios possuíam pelo menos 20 andares de apartamentos, em alguns casos 40 andares, com uma mescla de comércios, dos mais variados tipos (mercados, farmácias, mercearias, etc) e, até mesmo, livrarias e restaurantes. É importante ressaltar que as habitações de Singapura foram planejadas para a interação com a cidade.

Panorama do Conjunto Habitacional Zaki Narchi, na capital paulista.

No modelo de São Paulo os edifícios são completamente diferentes, com prédios que não passam dos cinco andares de apartamentos. Os arredores do projeto Cingapura eram áridos, com ausência de comércio formal. Especialistas concordam que, no modelo malufista, por assim dizer, o foco foi o de criar moradias para pessoas pobres em áreas mais distantes das regiões mais prósperas de São Paulo.

A iniciativa da paulistana não deu certo e, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, “durante a gestão Maluf, foram removidas 15 mil pessoas de favelas – quatro vezes mais do que o número de unidades construídas em Cingapuras”. O resultado, como não poderia de ser, foi a volta de favelas, inclusive, ao redor dos conjuntos habitacionais do Cingapura.

Em uma entrevista para o jornal o Estado de São Paulo, a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, avaliou os resultados do nosso Cingapura da seguinte maneira:

“Os conjuntos do Projeto Cingapura foram construídos sempre em vias de grande movimento, mais para dar visibilidade do que para solucionar o problema. Podem ser vistos como grandes “outdoors” de uma política de habitação que não funcionou”.

Referências: “Cingapura – O encontro de São Paulo com a cidadania”, de Lair Krähenbühl

https://caosplanejado.com/de-singapura-a-cingapura-um-conto-de-dois-modelos-habitacionais-conjunto-habitacional-hdb/

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/3/27/dinheiro/12.html

http://www.prodam.sp.gov.br/invfut/cinga/cinga1.htm

https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,cingapuras-estao-rodeados-por-favelas-imp-,765918

2 Comments

  1. Eu moro no cinga pura a favela que está ao redor são os próprios moradores que fazem muito são para alugar deveria ter controle de fiscalização jardim das Laranjeiras CP 02518080

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *