A história do quase rei de São Paulo

Durante os mais de 500 anos da história do Brasil, curiosos episódios passaram despercebidos na nossa trajetória. O mais emblemático deles talvez seja o “quase-rei” de São Paulo, figura essa, que atende pelo nome de Amador Bueno.

Esse personagem foi tão importante, que D. Pedro I só proclamou a independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga por essas terras terem pertencido à Amador Bueno.

Esse episódio começa em meados do século XVII, quando os espanhóis que estavam no Brasil acreditaram que a capitania de São Vicente poderia ficar sob domínio da Espanha se os paulistas decidissem se separar de Portugal.

Propuseram então, aos amigos, parentes e aliados, que elegessem uma figura para representá-los, ou em outros termos, um “rei” paulista. O nome indicado foi o de Amador Bueno de Ribeira. Feito isso, coube aos espanhóis utilizarem todos os argumentos possíveis para convencer os “paulistas e europeus pouco instruídos” de que eles não poderiam e não deveriam reconhecer por um soberano, um príncipe português a quem ainda não haviam jurado obediência, no caso D. João VI, que acabara de ser aclamado, em 1640.

Lembravam ainda, nessa investida, os milhares de índios e escravos que controlavam, podendo formar “exércitos formidáveis”, ajudados pela localização de São Paulo, isolada do mar pela serra.

Mas quem era Amador Bueno?

Esse icônico personagem vinha de uma próspera família de raízes hispânicas, com participação na Câmara da vila de Piratininga. Ele possuía uma grande fazenda de trigo, na qual trabalhavam muitos índios guaranis. Quando recebeu a proposta para ser o “rei” de São Paulo, ficou pasmo. Ele lembrou a todos que todos deviam aceitar o destino do reino de Portugal.

Mas sua recusa não teve o efeito desejado, de acabar com o “motim”. A população não aceitou sua decisão e o ameaçou de morte caso não empunhasse o cetro.

Amador Bueno não aceitando a coroa, foi perseguido pelos paulistas e se refugiou no mosteiro de São Bento, em São Paulo. Quadro de 1931 e de autoria de Oscar Pereira da Silva

O principal relato da aclamação de Amador Bueno é o de frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800), um padre que viveu entre Santos, Rio de Janeiro e São Paulo, tendo chegado ao cargo de abade no Rio em 1766. Frei Gaspar foi autor das Memórias Para a História da Capitania de São Vicente, em que narrou a aclamação de 1641. A narrativa começa quando chega a São Paulo a notícia de que o duque de Bragança tinha sido aclamado rei de Portugal, com o nome de D. João IV.

Segundo Frei Gaspar, essa novidade foi um duro golpe para os espanhóis que moravam na vila de São Paulo e que queriam que aquelas povoações ficassem obedientes a Castela, e resolveram entre si usar do artifício da nomeação de Amador Bueno. Mas ele não se conformou e, diz o relato, que Bueno teria saído de sua casa escondido, com a espada na mão, caminhando apressado para o Mosteiro de São Bento. Mas todos corriam atrás gritando: “Viva Amador Bueno, nosso rei!”. Ao que ele respondeu muitas vezes, em voz alta: “Viva o senhor D. João IV, nosso rei e senhor, pelo qual darei a vida!”.

Chegando ao mosteiro, fechou as portas e mandou chamar os padres mais respeitáveis. Juntos, convenceram os rebeldes de que o reino pertencia à dinastia Bragança. E todos, “arrependidos do seu desacordo”, foram aclamar D. João IV, “com mágoa dos espanhóis”, que também prestaram juramento de fidelidade ao novo rei.

Dessa forma, Bueno “recusou” travar uma guerra contra o resto do país em prol de um interesse espanhol contra o poder da coroa portuguesa. Atualmente, Amador Bueno empresta seu nome a uma rua próxima ao Largo Treze de Maio, em São Paulo.