Por Chico Silva*

Muito prazer, São Paulo!

Tenho 42 anos e sou daqueles paulistanos que ficam de olhos marejados quando olha a cidade da janela do avião, principalmente quando decolo e pouso em Cumbica, aeroporto que tem a zona norte na rota.

Cresci e vivi na ZN, que para nós que aqui vivemos será sempre Zêenê. Fui criado em dois bairros da região. Um deles Santana, onde meus avós portugueses, Antônio e Maria, pode haver avós lusitanos com nomes mais portugueses do que esses?, eram proprietários de um típico boteco “sessentista” na rua Alfredo Pujol. Mas o que seria um boteco “sessentista”?

É daqueles botequins antigos, com balcão de mármore, cafeteira torre e caderneta em que se anotavam as contas dos fregueses. Nessa época quem ia a bar era freguês. Esse negócio de cliente era coisa de banco. Meus pais, apesar de passar a maior parte do tempo ali, não moravam lá.

A minha casa “oficial” ficava num bairro há uns cinco quilômetros dali, o Lauzane Paulista. Ganhou esse nome por ter sido “colonizado” por um família suíça, os Savoy. Mas de suíço mesmo o bairro só tinha as ladeiras e ruas batizadas como Geneve, Saint Gall, Monte Blanc Evian, Friburgo e Basileia, esta última onde ficava a minha casa. Na época era um típico bairro Classe C- da periferia paulistana. Hoje mudou muito. Com dois shoppings, condomínios de médio para alto padrão e um hipermercado, se tornou C+, quase raspando na B.

Apresentações feitas, quero falar da minha descoberta da metrópole que hoje apaga sua 461ª velinha. Na minha primeira adolescência o Lauzane era servido por duas linhas de ônibus: 1744 – Lauzane/Metrô Santana e a 178L, que até a metade dos 90 era Lauzane/Santa Cecília.

Minha primeira viagem solo no assustador e potente 178L foi na companhia do meu amigo Sergio, inseparável companhia da sexta à oitava série e de aventuras e desventuras pelas ruas do bairro. Foi uma jornada um tanto ousada para dois garotos de 13 para 14 anos. E mais atrevida ainda, pois nenhuma das nossas mães tinha conhecimento dela. Se dona Francisca, minha severa e divertida mãe portuguesa, soubesse certamente abortaria o plano. A proposta era ir até o ponto final da linha, que ficava em frente ao antigo Pão de Açúcar da histórica e inquieta Maria Antônia, famosa nos anos 60 pela guerra entre os estudantes CCC do Mackenzie e os revolucionários uspianos. Mas na época esquerda e direita para mim eram as extremidades do campo onde jogavam os camisas sete e onze do Santos.

Paulistano até a medula, herdei o time praiano de meu pai, um pernambucano que se apaixonou por futebol pelos pés de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, o mítico ataque do maior time de futebol de clube de todos os tempos. Seu Israel foi por anos um dedicado e devotado funcionário da Companhia de Abastecimento do Estado de São Paulo, a Sabesp. Hoje está triste com o que fizeram à companhia na qual dedicou 22 anos da sua vida.

Voltando ao tema desse post, nossa “viagem” inaugural para fora do bairro se deu numa sexta-feira à noite qualquer de 1986. A gente estava perto de se formar na 8ª série. Aquele momento era para nós era uma espécie de rito de passagem, um preâmbulo do que seria a nossa vida, pois o Lauzane não tinha escolas com colegial, hoje chamado de ensino médio. Nossa ideia era desembarcar alguns pontos antes do final, explorar a área e voltar. Assim que desci do coletivo me surpreendi ao esbarrar em algumas “mulheres” altas, muito maiores do que as que estava acostumado a ver, com maquiagem acentuada, sapatos de salto que as deixavam ainda mais altas e saias 10 centímetros acima dos joelhos.

Confesso que no primeiro momento fiquei empolgado. Mas a timidez só permitiu que disparasse alguns olhares, que logo se desviavam com a remota possibilidade da troca. Anos depois descobri que aquelas moças não eram tão moças assim. Bem-dita timidez juvenil. Depois do estranho encontro, subimos pela Consolação.

Ficamos deslumbrados com as luzes da cidade; vimos os botecos cheios de alunos cabuladores do Mackenzie além de muitas meninas bonitas, bem mais velhas do que nós. Acho que mesmo se tivessem a mesma idade não olhariam para aqueles dois jecas ingênuos e periféricos.

Mais ou menos uma hora depois, que para nós pareceu uma eternidade, embarcamos de volta ao nosso mundinho de sempre, mas que nunca mais seria o mesmo depois daquele breve, porém definitivo, mergulho no coração selvagem da metrópole. As portas da cidade foram escancaradas para nós. E nunca mais se fecharam. E jamais se fecharão

*Chico Silva é jornalista com passagens pelo diário Lance!, portal IG e revista IstoÉ e hoje assina a coluna E$porte Clube, publicada no Brasil Econômico. Além disso, é um eterno morador da Zona Norte de São Paulo, a ZêeNê, para os mais íntimos.

2 Comments

  1. Li todo seu texto. O que gerou curiosidade em mim a princípio foi o título do texto. Como bom soteropolitano, sou apaixonado pela pauliceia. Como amante da palavra me rendo por completo a um texto bem escrito, que tenha um princípio, meio e fim. Tive a impressão de estar lendo um grande clássico da nossa literatura. Parabens pelo escrito. Que haja sempre motivos para você ter grandes inspirações e compor outros grandes textos para o nosso deleite.

    Cid Oliveira

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