Um dos monumentos mais importantes da nossa cidade, a Catedral da Sé, já teve três versões, sendo a que conhecemos hoje, a última e mais nova delas. Entretanto, em sua segunda versão, mora uma das curiosidades que, particularmente, acho uma das mais legais desse monumento histórico. Trata-se do relógio da Catedral da Sé. Os arquivos do Legislativo Paulista mostram todo o processo e cuidado com esse ponto de referência. As referências históricas da cidade relatam que a trajetória do relógio é iniciada através de uma carta do bispo diocesano de São Paulo, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade ao então presidente da Província de São Paulo, Raphael Tobias de Aguiar.

Nesse documento datado de 8 de fevereiro de 1841, o religioso solicitava a instalação de um relógio na torre da Catedral da Sé. Ele explicava que essa intervenção seria de grande importância para a cidade de São Paulo, como é possível ver nessa transcrição:

“Parecendo-me de suma necessidade para a Sé Catedral desta Cidade o colocar-se na torre da mesma um relógio grande, que marque as horas e quartos, no sino maior, do que resultará tão bem vantagem para toda a população da Cidade, pois que pela elevação da torre, e mais forte som de sino, facilmente se ouvirão as horas, em toda ela, tanto de dia como de noite, e poderá cada um regular melhor o seu tempo, tanto mais que haverá todo o cuidado em que o relógio ande certo, como a experiência tem mostrado há longos anos, como o relógio de parede, que tem sido sempre o regulador geral, por estar a cargo de um empregado responsável, e amovível, e ter tantos fiscais, quantos são os Empregados da Catedral, sujeitos a pontos e multas; tendo sido a dita necessidade já reconhecida pelos Governos Provinciais, tanto assim que algumas diligências se fizeram, e algumas quantias se despenderam para montar um no tempo do Capitão General João Carlos Augusto d’Oyenhausen, julgo do meu dever aproveitar a ocasião de achar-se V. Exa. à testa da Administração Provincial, para solicitar de V. Exa. mais uma prova da piedade e zelo religioso, de que tantas tem dado, instituindo-se V. Exa. o interceptor, perante a Assembléia Provincial, para que esta vote quantias necessárias para a compra, condução e colocação dum relógio que dê as horas e quartos, cuja importância no Rio de Janeiro se me afirma ser de dois contos de réis, e talvez se obtenha por menos, de maneira que com a condução e mais arranjos, talvez se não despenda mais de dois contos e quatrocentos mil réis.

Exa. me escusará a importunação, atendendo a que minha requisição tende em benefício comum a toda a Cidade, e do qual gozam muitas Catedrais menos importantes do que a desta Cidade.”

Três dias depois, o Presidente da Província enviou o documento à Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo e neste mesmo dia o pedido foi encaminhado à Comissão de Fazenda para que desse seu parecer. Esta mostrou-se favorável ao pleito de Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade e concedeu os recursos para o relógio da Catedral da Sé. No ano seguinte, o relojoeiro Henrique Fox, que tinha seu comércio de relógios, joias e instrumentos de música na Rua da Imperatriz (atual Rua Quinze de Novembro), construiu o relógio do torre da Catedral da Sé e foi seu zelador durante quarenta e nove anos, até 1891, quando faleceu.

Registro da Catedral da Sé em 1907

Durante todos estes anos, segundo um cronista da vida paulistana, ereto, envergando suas conhecidas suíças, dobrava a esquina da praça da Sé, pelo lado da rua Capitão Salomão, e entrava na Catedral para inspecionar sua obra. Esta metódica jornada fez com que o relógio da Sé nunca atrasasse. Vale dizer que, atualmente, o relógio se encontra na na igreja de São Gonçalo, localizada na Praça Dr. João Mendes, no centro da cidade de São Paulo*.

*Essa última informação foi gentilmente compartilhada por um dos nossos seguidores do Facebook, o Sr. Constantino Ubaldino, sendo de grande valor histórico para o nosso relato. A ele, nosso muito obrigado! 

Referências: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=266280

https://books.google.com.br/books?id=rcjtFlMnGcIC&pg=PA130&lpg=PA130&dq=relojoeiro+Henrique+Fox&source=bl&ots=RDPlKqHS15&sig=ACfU3U0_R7VS6XGrtyPMqM9aF1aqWtTyHg&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjTmb-ynY7hAhUPIrkGHQhdDrMQ6AEwAXoECAIQAQ#v=onepage&q=relojoeiro%20Henrique%20Fox&f=false

3 Comments

  1. Olá Abrahão! Aí vai outra curiosidade que pouca gente conhece.
    Henry Fox, nome original do relojoeiro inglês do seu artigo, tinha uma chácara no Brás. Mais especificamente na Rua Monsenhor Andrade, 24 e era casado com Harriet Mathilda Rudge.
    Nesta chácara, em 24 de novembro de 1874, nasceu seu neto, filho de Charlote Alexandrina Fox.
    O nome do neto? Charles William Miller, o introdutor do futebol no Brasil.
    Rende mais um artigo. Rsrs.
    Abraços!

    1. Olá, Edson, tenho pesquisado a formação do bairro do Brás. Você teria alguma informação mais detalhada sobre essa chácara do Henry Fox? Algum documento (escritura, transcrição etc), ou registro histórico? Obrigado!

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