Não é novidade para ninguém que o Campo de Marte, aeroporto localizado na Zona Norte da cidade de São Paulo, é o primeiro aeroporto da nossa história. Entretanto, sua trajetória começa muito antes de 1920, data em que as operações foram iniciadas e a primeira pista de pouso foi construída.

Aquela região, que já foi uma várzea alagadiça, era utilizada desde 1906 como um espaço para exercícios militares de  infantaria e da cavalaria da então Força Pública do Estado de São Paulo, entidade que mais tarde seria a Polícia Militar.

Para que os integrantes desse pelotão tivessem um treinamento de primeira linha, foram contratados instrutores do exército francês que, ao chegarem no local e observarem o grande terreno descampado, apelidaram a região de “Champs de Mars”, em homenagem à região francesa. Essa nomenclatura foi passada para os militares paulistas que, em uma tradução literal, o chamaram de “Campo de Marte”, expressão que permanece viva até hoje.

Com a chegada de 1920, o governo do estado em parceria com o alto comando da Força Pública, decidiram criar uma escola de aviação militar, modalidade que seria importante para fortalecer as defesas da cidade e para fornecer soldados preparados para eventuais necessidades do exército brasileiro. Após alguns estudos, o local escolhido para a pista de operações das aeronaves foi o próprio Campo de Marte, afinal, o local já estava à disposição da corporação e ficava próximo ao famoso quartel da Luz.

Campo de Marte na década de 30
Campo de Marte na década de 30

Os primeiros alunos que fizeram parte do curso de preparação para pilotagem aérea eram integrantes da cavalaria e tiveram como professor um piloto americano que foi “importado” para ensinar. Infelizmente, com um ano de vida, a escola acabou sendo fechada por falta de recursos, mas apesar disso, alguns aviadores se reorganizaram e conseguiram reabrir a escola em 1925, agora com algum recurso e apoio político, o que foi de extrema importância para a longevidade da instituição.

A escola formou os alunos que constituíram a esquadrilha da aviação da Força Pública do Estado. Entre os grandes pilotos que passaram por ali, vale destacar o Tenente João Negrão,  Newton Braga e Vasco Cinquini, militares que de alguma forma ajudaram na grande travessia do Atlântico realizada por João Ribeiro de Barros e seu avião vermelho, o Jahú.

No ano de 1926 ficou sob responsabilidade dessa força aérea a realização de uma grande operação militar que tinha o objetivo de localizar e perseguir os rebeldes que faziam parte da Coluna Prestes, um dos maiores movimentos, em deslocamento, da história do mundo.

A importância do aeroporto e da esquadrilha pública

Mais do que realizar a perseguição às forças de Prestes e cuidar da segurança da cidade, a esquadrilha da Força Pública, também conhecida como “Bandeirantes do Ar” foi de extrema importância para o desenvolvimento da aviação no interior do Estado e em vários estados do país.

Suas missões de exploração, além do estabelecimento de rotas aeronáuticas, acabaram difundindo a aviação e a abertura de diversos aeródromos e aeroportos pelo interior de São Paulo e em vários estados, como Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás.

Com o apoio irrestrito do poder público e dos militares, a Força Pública crescia em um ritmo bastante importante e, por tabela, também auxiliava no desenvolvimento da aviação civil, modal de transporte que seria importantíssimo para a cidade de São Paulo.

Ainda na década de 20 foi criada, dentro do Campo de Marte, a Escola de Aviação Ypiranga, de propriedade de Fritz Roesler e Thereza Di Marzo, uma das primeiras aviadoras brasileiras. Nos hangares da Força Pública, através do mecânico e aviador americano Orthon W. Hoover, foi fabricado o primeiro avião paulista, que recebeu o nome de São Paulo e se tornou o mascote da esquadrilha.

O transporte postal e a Revolução de 32

Uma curiosidade bastante interessante fica por conta do primeiro serviço de transporte postal aéreo entre as cidades de Rio e São Paulo. Dirigida por brasileiros, a iniciativa usava o aeroporto Campo de Marte como base de operações.

Chamada de Empresa de Transportes Aéreos (E.T.A.) definiu, em 1929, o aeródromo de Marte como aeroporto da linha comercial. A tendência seria mantida com a VASP que, em 1933, usava o local como base para seus aviões que iam a Uberaba, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto.

Durante os acontecimentos da instalação do governo provisório de Vargas, a esquadrilha da Força Pública foi extinta. Todos os hangares, aviões e pertences encontrados no local passaram a fazer parte do exército brasileiro. Assim, no Campo de Marte, foi criado o Destacamento do 2º Regimento de Aviação do Exército.

Apesar dos acontecimentos, o tratamento entre militares e aviadores civis foi de extrema educação, respeito e simpatia, fato que persiste até os dias atuais. Esse clima foi o principal responsável para que o desenvolvimento da aviação civil não cessasse, mesmo com os acontecimentos de guerra civil se desenrolando pelo estado.

No ano de 1931, após muitas conversas, foi fundado o Aeroclub de São Paulo com a sua tradicionalíssima escola de aviação civil. Vale dizer que, os primeiros instrutores da instituição, eram oficiais e sargentos aviadores do exército que prestaram seus ensinamentos de maneira voluntária e por ideais de progresso da aviação civil. Essa escola era a segunda do Brasil, ficando atrás do Aeroclub Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro.

Avião no Campo de Marte pouco tempo depois da inauguração, na época da Revolução de 32
Avião no Campo de Marte pouco tempo depois da inauguração, na época da Revolução de 32

Com os terríveis acontecimentos de 1932 o avião se tornou uma potente e indispensável arma de guerra. De um lado estavam as esquadrilhas legalistas e do lado de São Paulo alguns poucos aviadores se despuseram a formar o Grupo Misto de Aviação Bandeirante, que incluía, também, a esquadrilha dos “Gaviões de Penacho”, composto por valorosos pilotos de combate.

Estava formado, então, um conjunto único de homens do ar, com aviadores do exército (favoráveis à causa paulista) com antigos integrantes da extinta esquadrilha da Força Pública, além de poucos pilotos voluntários. O Campo de Marte se tornava, então, um quarte general dos aviadores constitucionalistas.

Com o fim da guerra civil brasileira e a consequente derrota de São Paulo, o potencial estratégico do lugar não poderia ser desprezado. Novas empresas ligadas ao setor aeronáutico surgiam de maneira intensa, gerando novas oficinas, empregos e desenvolvimento para o setor aéreo do Brasil. Surgiram escolas particulares de aviação, inclusive nascendo em Marte o voo de planador e a primeira escola de paraquedismo do país.

Campo de Marte em 1940.
Campo de Marte em 1940.

O desenvolvimento Pós-Guerra

Além do peso comercial das viagens feitas a partir do Campo de Marte, o local ainda se destacava pelas apresentações aéreas, circos voadores e diversos shows aéreos. Multidões de curiosos compareciam ao local para assistir a ousadia dos pilotos e a sincronia das esquadrilhas.

Durante muito tempo o Campo de Marte foi o aeroporto de São Paulo, afinal, nessa época, entre os anos 30 e 40, Congonhas apenas começava a dar as caras. Com a criação do Ministério da Aeronáutica em 1941, as instalações militares que também se desdobravam em setores, incluindo o Parque de Material da Aeronáutica, passaram a constituir parte da Força Aérea Brasileira.

Vários eventos ainda contribuíram para reforçar a tradição aeronáutica de Marte, como a fabricação do avião EAY-201, que acabou por dar origem ao legendário avião de treinamento CAP-4 (Paulistinha).

O local faz parte da história de grandes feitos acontecidos em São Paulo. Partiu de lá, por exemplo, voos de Ada Rogato, brasileira conhecida internacionalmente. O aeródromo envolto já por um carisma de tradição, ainda foi palco de partida e chegada de dezenas de raides pioneiros e revoadas fantásticas, como a revoada internacional do IV Centenário de São Paulo, quando se reuniram aviões de vários países da América do Sul.

De lá, também, partiu a maior revoada de aviões esportivos realizada até hoje na América Latina quando, 270 aeronaves de pequeno porte, fizeram o percurso de Campo de Marte a Buenos Aires, em 1952, sendo recebidos pelo presidente da Argentina.

Registro do Campo de Marte em 1959
Registro do Campo de Marte em 1959

O Campo de Marte se tornou, então, o aeroporto mais movimentado e de maior concentração de Aviação Geral do Brasil e, talvez, da América Latina. Além disso passou a abrigar o imprescindível apoio da polícia civil e militar da cidade.

Ainda hoje existe a possibilidade do Campo de Marte ser ampliado para, assim, ajudar a desafogar os aeroportos de Congonhas e Guarulhos. Isto demonstra, além de seu valor estratégico, também seu valor logístico como aeroporto, mesmo porque não existe outro espaço disponível na periferia da cidade que sirva de abrigo à enorme frota de nossa aviação geral.

Campo de Marte em 1980
Campo de Marte em 1980

De maneira geral, acredita-se que o Campo de Marte possua estrutura para que seja erguido o  Museu Aero Espacial Brasileiro e/ou, eventualmente, uma entidade de ensino estatal voltada aos diversos setores profissionais da aeronáutica civil.

4 Comments

  1. Sou moradora da Casa Verde, e cresci curtindo as paisagens no entorno que, aliás, continuam me deleitando como os monomotores e bimotores que passam por cima da minha casa decolando e aterrizando no Campo de Marte e os contorno da Serra da Cantareira que não canso de admirar dos altos dos morros da Casa Verde, assim como as pistas do aeroporto. Nos Domingos Aéreos de todo ano me empolgo com a revoada e as manobras da esquadrilha da fumaça, como se eu estivesse nos portões do aeródromo. E não me esqueço da época em que aquele dirigível da Good Year enfeitava os céus de São Paulo. E vez ou outra pude ver passando bem pertinho sobrevoando o quintal de casa, como uma enorme baleia prateada … Sinto-me privilegiada de morar próximo a esta jóiazinha e peça tão importante da história de São Paulo.

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