O “justiceiro” da Zona Leste: a história de Chico Pé de Pato

Contaremos uma curiosa e triste história no texto de hoje. Será que nos dias de hoje seria possível um homem, ao melhor estilo Justiceiro (anti-herói da Marvel), fazer sua história em São Paulo? Não sei se em 2020 isso duraria muito tempo, mas durante os anos 80, Francisco Vital da Silva conseguiu essa “façanha”.

Natural da cidade de Campo Alegre de Lurdes, na Bahia, Francisco chegou a São Paulo no ano de 1973. Sem muito dinheiro, acabou estabelecendo residência na região do Jardim Camargo Novo, na Zona Leste. Pedreiro e comerciante por vocação, o baiano acabou abrindo um bar na região em 1982, buscando um meio de sustentar sua família. Entretanto, em 1984, tudo mudaria. E de maneira brutal.

Francisco, que não era de levar desaforo para casa, reparou logo no começo de suas atividades como dono de bar na região, que havia uma clientela perigosa. Em declaração ao famoso Notícias Populares, afirmava que:

“Nem bem abri o boteco, senti que a barra aqui era pesada. Os vagabundos bebiam fiado, não pagavam e, ainda por cima, queriam que eu guardasse maconha para eles. Aí estourei e comecei a pôr “nego” para fora a pontapés”.

Em uma tarde de 1984, aproveitando-se da ausência de Francisco, cinco homens armados assaltaram o bar e estupraram sua esposa e filha de 16 anos. Esse crime marcou o início do “justiceiro”. Vital da Silva ainda tentou passar um tempo na Bahia, para fugir dos problemas, mas após dois meses, voltou a São Paulo e encontrou seu bar destruído, cheio de buracos de bala e, de novo, sem nada.

Ele recomeçou a vida, abriu o bar e foi emboscado. Infelizmente, não há grandes registros dessa ocorrência, mas ele conseguiu escapar e, pouco depois, comprou uma arma e encabeçou uma perigosa luta contra os criminosos da região. Vale o destaque que, em muitas de suas incursões, seu filho Flávio o acompanhava.

Uma das primeiras menções a Chico Pé de Pato apareceu no Notícias Populares de 14 de agosto de 1985, sob a seguinte manchete: “2 irmãos liquidados pelo justiceiro da Zona Leste”. Acho que vale a curiosidade aqui da alcunha “Pé de Pato”, que fazia referência à maneira com que Francisco andava, a chamada “10 para as duas”, com os pés mais abertos.

Durante sua vida de “justiceiro”, Francisco foi acusado de matar pelo menos 50 pessoas e, há quem diga (e isso nunca foi confirmado), que a própria polícia lhe entregava nomes de possíveis criminosos e, além disso, que comerciantes da ZL ainda pagavam a Pé de Pato pelos “serviços” prestados.

Suas atividades acabaram dando grandes dores de cabeça ao poder público da época, especialmente para o então secretário estadual de Segurança Pública, Michel Temer. Com tudo, após um bom tempo de atividade, Francisco cometeu um erro terrível.

Justiceiro com suas armas e seu famoso Opala posando para uma reportagem do Notícias Populares

Em 23 de agosto de 1985, ele acabou matando um policial militar à paisana. E não foi qualquer morte: oito tiros a queima roupa e três facadas na cabeça. À época, com 44 anos, Pé de Pato passou a ser um inimigo da polícia. Para a caça do antigo “justiceiro”, agora foragido, foi designado o capitão Conte Lopes, atual parlamentar da Câmara Municipal de São Paulo. Logo na primeira investida em seu bar, o filho Flávio foi preso.

Francisco escapara em seu Opala, mas 48 horas depois, decidiu se entregar, inclusive por pressão familiar. Ele fora informado que os policiais estavam pressionando seus conhecidos, que haviam destruído seu bar e que 1 milhão e 800 mil cruzeiros de sua família havia desaparecido.

Sem ter o que fazer, decidiu se entregar. Hospedado em um hotel em Itaquaquecetuba, ligou para seu amigo pessoal, Afanásio Jazadji, para que este intermediasse sua rendição. Após muita conversa e a necessidade do jornalista buscar Francisco, a rendição ocorreu de maneira pacífica.

População se aglomera no 50 DP pedindo a soltura de Pé de Pato

O criminoso foi preso, condenado a seis anos de prisão (apesar da suspeita de, como citamos, ter sido o responsável por ao menos 50 pessoas) e foi encaminhado para o então presídio mais perigoso da América Latina: o Carandiru. “Hóspede” do então Pavilhão 4, destinado a presos com diplomas de curso superior, estrangeiros e jurados de morte, Francisco era presença constante no Fórum da Penha, na Zona Leste.

Conhece a história de outro “célebre criminoso de SP? O Gato dos Telhados!

Em entrevista ao portal Uol, Erivaldo José dos Santos, um dos policiais militares responsáveis por vigiar as muralhas do presídio, além de fazer a escolta de presos levados para audiências judiciais,  declarou que:

“O Chico Pé de Pato nunca conseguiu apagar da memória a crueldade sofrida pela família dele. Sempre dizia que esse episódio iria persegui-lo a vida inteira. Quando narrava a história demonstrava ódio no olhar e no coração”.

Pouco tempo depois, Pé de Pato foi movido para o presídio de Franco da Rocha. Durante uma rebelião, em 27 de janeiro de 1987, Francisco foi assassinado. Alguns falam em 50 estocadas de estilete, enquanto outros falam em pelo menos 91 golpes. A história do “justiceiro” da Zona Leste virou documentário feito por quatro jornalistas recém formados da Universidade Anhembi Morumbi.

Para conferir o trabalho, basta acessar: https://www.youtube.com/watch?v=cTBjSA0TCUQ

Manchete do NP de 1987

Link de referências: https://noticias.uol.com.br/colunas/josmar-jozino/2020/09/23/a-historia-do-maior-justiceiro-de-sp-e-contada-em-um-curta-metragem.htm

https://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2015/12/1724073-saiu-no-np-apos-matar-pm-chico-pe-de-pato-passa-de-justiceiro-a-alvo-da-policia.shtml